lendo um artigo sobre shoplifting (roubar coisas de lojas) numa revista, me lembrei de um meme que correu o livejournal tempos atrĂ¡s, onde uma das perguntas a serem respondidas era: "vocĂ© jĂ¡ roubou alguma coisa?".
nossa, tantas vezes.
era pra ficar com vergonha de admitir? nĂ£o faço idĂ©ia. nĂ£o Ă© uma coisa da qual me orgulhe, mas minhas bochechas tambĂ©m nĂ£o ficam vermelhas ao admitir que cansei de sair das lojas americanas com uma sacolinha de compras na mĂ£o - sendo que sĂ³ metade do conteĂºdo havia sido pago. necessidade? cleptomania? mau caratismo? nenhuma das anteriores. na Ă©poca eu achava que se tratava de uma prĂ¡tica inerente Ă adolescĂªncia (quase um rito de passagem), que todo mundo fazia isso, que o seguro da loja pagaria os eventuais furtos de um bloquinho barato de papel de carta, um anel de plĂ¡stico colorido ou um vidrinho de esmaltes na cor verde bandeira. sem contar os mecanismos que a minha mente desenvolvia para justificar o furto: "meus gostos sĂ£o tĂ£o bizarros que, se eu nĂ£o roubar, eles nĂ£o vĂ£o conseguir vender essa porcaria, mesmo...".
devo admitir tambĂ©m o fator genĂ©tico. aos 12 anos, 80% dos meus brincos e anĂ©is chegaram Ă minha gavetinha de "jĂ³ias" desacompanhados de nota fiscal: um dos hobbies de mamĂ£e era roubar peças pequenas em lojas onde ela fosse mal atendida. sabe aquelas bancas de anĂ©is "de prata" a R$1,99 sobre a qual a mulherada se joga e as atendentes estĂ£o mais preocupadas em comentar o capĂtulo de ontem da novela ou se o gatinho que trabalha no estoque Ă© ou nĂ£o gay? pois era dessas mesmas que mamĂ£e emergia vitoriosa, os dedos antes desnudos cobertos de anĂ©is decorados com pedras vagabundas.
tambĂ©m havia os primos: uma bem mais velha do que eu e, essa sim, profissional. era especializada em falsificar aquelas plaquinhas que as atendentes nos dĂ£o com o nĂºmero de peças de roupas com que entramos no provador. ela entrava com seis peças, enfiava cinco na bolsa (junto com a plaquinha original) e saĂa do provador com a mais barata delas e a plaquinha fake marcando o nĂºmero "1". o problema Ă© que as filhas pequenas dela aprenderam cedo. a primogĂªnita enfiava quilos de maquiagem dentro da fralda plĂ¡stica da menorzinha.
mas meu herĂ³i mesmo era um outro primo. porque, mais importante do que a quantidade/preço/frequĂªncia do furto, era o estilo e auto confiança com que o perpetrante o praticava. e o moleque tinha panache. ele nĂ£o escondia nada que pegava - simplesmente saĂa com a peça embaixo do braço. segundo ele, eram as atitudes furtivas que traĂam o ladrĂ£o. e a classe de jogar uma jaqueta nas costas no meio da loja (depois de checar cuidadosamente se havia security tag) e, conversando animadamente, ir embora vestido nela? ele nĂ£o roubava de quem seria, de fato, prejudicado financeiramente. e nĂ£o ficava com o produto do roubo. nunca. sempre doava na rua. acho que era a saĂda dele para nĂ£o sentir culpa.
certa vez estĂ¡vamos na antiga loja mesbla do centro do rio - sim, eu sou velha - e ele ia saindo com dois cds (nem todos ficavam dentro daquela caixinha de acrĂlico com tag de segurança). uma mocinha magrela e com cara de "peguei um trem + dois Ă´nibus para chegar no trabalho" nos puxou pela manga, apontou o caixa e sugeriu que pagĂ¡ssemos. ele nem piscou. deu seu melhor sorriso irĂ´nico e disparou "mas de novo, meu anjo? esses cds sĂ£o meus". a garota perdeu o rebolado. engasgou pateticamente na prĂ³pria lĂngua ao tentar explicar que o tinha visto pegar os cds 10 minutos atrĂ¡s na gĂ´ndola. dessa vez ele nĂ£o sorriu; apenas levantou uma sobrancelha (talento de famĂlia isso, tambĂ©m), gelou os olhos eletric blue a temperaturas polares e respondeu: "eu estou enganado ou vocĂª estĂ¡ realmente insinuando que EU nĂ£o paguei esses cds?"
os dois se encararam por alguns segundos. ele alto, rico, articulado e bem vestido. ela mal preenchendo a camiseta surrada do uniforme da loja, sapatos baratos com vestĂgios de lama seca. ela podia ter chamado o segurança. podia ter estranhado o fato de os cds ainda estarem, depois de "meses", dentro do plĂ¡stico. mas no brasil a divisĂ£o social fabrica suas prĂ³prias leis e etiqueta.
a moça deu de ombros e virou as costas.
e um adolescente aleatĂ³rio num ponto de Ă´nibus, com uma camiseta do metallica por baixo do jaleco do uniforme de escola pĂºblica, ganhou dois cds da banda sĂ³ pra contrariar.
realmente.
Thursday, November 29, 2007
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