Suburbia é uma música legal do Pet Shop Boys. Subúrbio é um lugar legal, com lojinhas baratas pra comprar quinquilharias e onde as pessoas colocam cadeiras de praia na calçada pra conversar com os amigos. É tão ou mais violento que a zona sul, mas a paranóia que atinge alguns moradores de Leblon-Ipanema-e-adjacências ainda não achou via de entrada para as cabecinhas dos suburbanos, que sabem que a vida é bela porque tem torresmo fritando na panela e pagode tocando no rádio.
Eles têm as manhas da felicidade, enquanto a classe média, que se acha rica porque economizou três décadas de alegria para comprar um Audi, só tem duas preocupações: que sequestrem seus filhos ou que assaltantes descubram o cofre.
Eu fui ao subúrbio com meus amiguinhos, ver um filme porcaria num cinema barato (porque pagar preço de multiplex pra ver filme de circuitão é coisa de besta que acha bom pagar mais caro só porque pode), comer pipoca na pracinha e fotografar a Igreja da Penha. E o tabuleiro de doces coloridos, o cego que pede esmolas na escadaria da igreja, o casal de mendigos dormindo abraçados, a freira que aproveita um momento de distração divina pra cair de boca numa maçã do amor.
Tinha um elevador ao lado da escadaria (gentilmente fornecido pelo nosso prefeito factoidiano, César Mala), mas eu achei que fosse exclusivo dos idosos que não podiam mais escalar os - quantos mesmo?? só sei que eram muitos - degraus da escadaria, tão linda quanto torta e esculpida na própria pedra onde a Igreja foi erguida e hoje paira sobre a cidade, sendo observada de vários pontos de norte a sul; consigo vê-la até mesmo do meu terraço.
Escolhi mal o dia da visita. O sol fritava a minha pele e minava minha resistência enquanto os degraus iam ficando para trás. Cheguei quase morta ao pátio da igreja, sendo rapidamente revivida pela vista e pela garrafa d´água que o R. derrubou na minha cabeça enquanto uma moça me entregava o jornalzinho com a programação da missa.
Eu cheguei bem na hora da dita cuja. O pátio estava cheio de fiéis, que atrapalhavam meus enquadramentos, e depois nem é de bom-tom disparar flashes enquanto o padre celebra, you know. Me senti deslocada, subi na mureta para uma lufada de ar respirável, e nesse instante (o da comunhão, suponho) o sino tocou. E eu achei lindo.
Depois de conseguir descer os milhões de degraus entramos todos amarradões no Museu dos Milagres. Todos amarradões, menos eu. Imaginei que seria só mais um museu de arte sacra, e as primeiras impressões foram justamente essas. Perguntei à R. se eu podia fotografar ali (a única coisa que justificaria a minha presença no recinto), e a cara de HERESIA que ela fez me desanimou de repetir a pergunta a algum dos responsáveis pela segurança do local - era bem capaz de eu sair dali excomungada.
Entrei sozinha por um corredor que deu numa porta onde se lia a inscrição "Sala dos Milagres". Estava fechada. Mas é óbvio que, não havendo ninguém pra impedir, eu abri. Me deparei com uma sala pequena, paredes forradas por fotografias, membros de cera (pés, cabeça, corpo, peitos, pernas) doados por pessoas agradecendo milagres, muletas abandonadas por pessoas que supostamente tinham voltado a andar, o teto e parte de uma parede cobertos de longas tranças de cabelo humano emolduradas em quadros e protegidas por vidros. Ao lado de cada trança (na verdade tinha cabelo de tudo quando é tipo, cor e tamanho, mas as tranças chamaram a minha atenção pela singeleza) estavam cartas, escritas de próprio punho, pelas donas dos cabelos. A maioria desenganadas pelos médicos quando crianças e, salvas pela promessa feita à Nossa Senhora da Penha, entregaram seus cabelos cultivados sem corte até a data prometida para a doação. Tinha trança de cabelo cortada em 1940!
E as fotos? Eu olhava aqueles rostos, as menininhas gêmeas numa foto feita em 1957, a debutante, o soldado vestindo a farda, o casal abraçado, a vovô segurando o bebê no colo vestido de marinheiro, a mocinha vestida de formanda, e fiquei pensando em cada uma dessas pessoas (vivas ainda?) e em suas histórias particulares, no que as teria levado a fazer a promessa. Por mim teria passado a noite ali, mas o povo me achou e me puxaram porta afora porque já estava ficando tarde e dane-se o meu encantamento.
Já quero voltar, lógico.
Eles têm as manhas da felicidade, enquanto a classe média, que se acha rica porque economizou três décadas de alegria para comprar um Audi, só tem duas preocupações: que sequestrem seus filhos ou que assaltantes descubram o cofre.
Eu fui ao subúrbio com meus amiguinhos, ver um filme porcaria num cinema barato (porque pagar preço de multiplex pra ver filme de circuitão é coisa de besta que acha bom pagar mais caro só porque pode), comer pipoca na pracinha e fotografar a Igreja da Penha. E o tabuleiro de doces coloridos, o cego que pede esmolas na escadaria da igreja, o casal de mendigos dormindo abraçados, a freira que aproveita um momento de distração divina pra cair de boca numa maçã do amor.
Tinha um elevador ao lado da escadaria (gentilmente fornecido pelo nosso prefeito factoidiano, César Mala), mas eu achei que fosse exclusivo dos idosos que não podiam mais escalar os - quantos mesmo?? só sei que eram muitos - degraus da escadaria, tão linda quanto torta e esculpida na própria pedra onde a Igreja foi erguida e hoje paira sobre a cidade, sendo observada de vários pontos de norte a sul; consigo vê-la até mesmo do meu terraço.
Escolhi mal o dia da visita. O sol fritava a minha pele e minava minha resistência enquanto os degraus iam ficando para trás. Cheguei quase morta ao pátio da igreja, sendo rapidamente revivida pela vista e pela garrafa d´água que o R. derrubou na minha cabeça enquanto uma moça me entregava o jornalzinho com a programação da missa.
Eu cheguei bem na hora da dita cuja. O pátio estava cheio de fiéis, que atrapalhavam meus enquadramentos, e depois nem é de bom-tom disparar flashes enquanto o padre celebra, you know. Me senti deslocada, subi na mureta para uma lufada de ar respirável, e nesse instante (o da comunhão, suponho) o sino tocou. E eu achei lindo.
Depois de conseguir descer os milhões de degraus entramos todos amarradões no Museu dos Milagres. Todos amarradões, menos eu. Imaginei que seria só mais um museu de arte sacra, e as primeiras impressões foram justamente essas. Perguntei à R. se eu podia fotografar ali (a única coisa que justificaria a minha presença no recinto), e a cara de HERESIA que ela fez me desanimou de repetir a pergunta a algum dos responsáveis pela segurança do local - era bem capaz de eu sair dali excomungada.
Entrei sozinha por um corredor que deu numa porta onde se lia a inscrição "Sala dos Milagres". Estava fechada. Mas é óbvio que, não havendo ninguém pra impedir, eu abri. Me deparei com uma sala pequena, paredes forradas por fotografias, membros de cera (pés, cabeça, corpo, peitos, pernas) doados por pessoas agradecendo milagres, muletas abandonadas por pessoas que supostamente tinham voltado a andar, o teto e parte de uma parede cobertos de longas tranças de cabelo humano emolduradas em quadros e protegidas por vidros. Ao lado de cada trança (na verdade tinha cabelo de tudo quando é tipo, cor e tamanho, mas as tranças chamaram a minha atenção pela singeleza) estavam cartas, escritas de próprio punho, pelas donas dos cabelos. A maioria desenganadas pelos médicos quando crianças e, salvas pela promessa feita à Nossa Senhora da Penha, entregaram seus cabelos cultivados sem corte até a data prometida para a doação. Tinha trança de cabelo cortada em 1940!
E as fotos? Eu olhava aqueles rostos, as menininhas gêmeas numa foto feita em 1957, a debutante, o soldado vestindo a farda, o casal abraçado, a vovô segurando o bebê no colo vestido de marinheiro, a mocinha vestida de formanda, e fiquei pensando em cada uma dessas pessoas (vivas ainda?) e em suas histórias particulares, no que as teria levado a fazer a promessa. Por mim teria passado a noite ali, mas o povo me achou e me puxaram porta afora porque já estava ficando tarde e dane-se o meu encantamento.
Já quero voltar, lógico.
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