“então é isso: a escuridão chegou. já tiramos os relógios do horário de verão e chegou a época das fogueiras de novembro. em breve a noite chegará por volta das quatro da tarde e na minha localidade, sem luz de rua, fica realmente escuro - de um modo que faz a escuridão quase parecer tátil, aveludada. o inverno no hemisfério norte é sombrio, mas também cheio de luz, e a única forma de lidar com ele é aceitá-lo.
eu adoro essa época do ano. adoro o quão categórica ela é; fria e trevosa até fevereiro e você já sabe o que esperar. nada de perder tempo se perguntando "será que eu coloco a minha jaquetinha?”. sem chance: o vento chega uivando dos estepes siberianos e as suas escolhas são casaco polar ou hipotermia. durante toda a estação você se encolhe feito um urso na caverna, mas um urso que precisa sair da cama e fazer coisas e ir trabalhar antes de voltar para a sua hibernação em meio período com muito vinho e ensopados (comida de inverno é mil vezes melhor que comida de verão. exemplo: queijo).
uma das minhas irmãs vive em los angeles, onde sempre faz um sol glorioso e uma estação emenda na outra e queijo significa, no máximo, ricota. só de pensar nisso sinto uma espécie de claustrofobia. é sempre ensolarado, como se você tivesse que viver numa casa onde ninguém nunca apagasse a luz, como se tivesse que dividir o quarto com alguém que nunca dorme: no começo você acha a pessoa divertida, mas logo se dá conta de que ela é insuportável. a mesma coisa acontece com dias de sol intermináveis - depois de um certo ponto se torna apenas irritante. afinal quando é o momento de engordar assistindo televisão embaixo dos cobertores? quando é o momento de se sentir mais introspectivo ou descuidar da depilação? qual a graça de ter um céu se ele está sempre igual - azul, sem nuvens, sem graça? eu gosto do meu clima com um pouco de imaginação.
dizem que o verão é “sexy”, mas só se você medir sensualidade pela quilometragem de pele desnuda à mostra, e esse é o indicador menos confiável. na verdade o inverno é muito mais sexy, mas passa a impressão contrária porque roupas de inverno costumam ser largas ou tolas - pulôveres de natal que acendem, meias grossas, gorros de lã com pompons, cachecóis gigantes - mas o fato é que o inverno é um tempo acolhedor, íntimo e macio à luz de velas. se o verão é o grito de alguém pulando numa piscina de água gelada, o inverno é o murmúrio macio da conversa entre amigos. o inverno é sobre banquetes e lareiras. é como se, estando a natureza adormecida, nós precisássemos estar mais vivos - daí os excessos e as indulgências e os deleites ilícitos.“
"eu entendo os motivos que levam algumas pessoas a detestar essa época do ano e achar o inverno deprimente. mas a melhor maneira de encarar o tempo frio é mergulhar nele. se aconchegar no escuro. preparar uma comida especial. jogos de tabuleiro. fazer caminhadas. soltar fogos de artifício.
além disso tudo nós precisamos do inverno. precisamos desse tempo para fazer um inventário, para desacelerar, para dormir mais e andar por aí vestidos como crianças em casacos acolchoados. existe algo mágico em sair pela cidade à noite, as luzes da rua acesas e os faróis dos carros na escuridão.
pense no inverno como um presente: o ano está se encerrando, mas esse terço final é um momento para respirar, é calçar um par metafórico de chinelos e relaxar antes da loucura do natal. sim, é escuro. sim, é frio. é maravilhoso.”
(texto traduzido e adaptado da coluna da india knight na sunday times magazine)
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