Camden market é um lugar esquisito.
Visualmente interessante, SE você não prestar muita atenção nas porcarias para turista - embora muita gente alegue que o lugar inteiro vem se transformando, nos últimos tempos, em “porcaria pra turista”. E eu penso nas diversas “fases” pelas quais o mercado passou nessa década em que nos conhecemos (incluindo uma breve, porém maciça, invasão de lojinhas asiáticas vendendo tralha Made in China) e penso que há muitos anos não sou importunada por algum rapaz de dreadlocks rastafari me oferecendo erva. É, as mudanças são fato. Estive lá semana passada para fazer uma pesquisa e também porque queria comer churros - a versão brasileira, gordinha e recheada de doce de leite, não os espanhóis fininhos pra mergulhar em chocolate. Era fim de semana e o lugar estava lotado, mas foi um sacrifício válido. Só os 2.50 cobrados e o fato de que hoje em dia Camden é um lugar que vende… churros me deixaram meio chocada.
Londrinos são meio arrogantes. Para eles, Londres é o centro literal do universo - afinal até o meridiano de Greenwich está aqui! São também obcecados com a idéia de parecer “cool” e estar por dentro da última novidade em qualquer coisa; talvez por isso o hipsterismo tenha encontrado aqui um solo tão fértil onde proliferar - até mais do que vi no Brooklyn, em NY - e dado origem a epicentros como Shoreditch, Dalston e Hoxton. Nesse contexto, Camden (o mercado em si, não a região administrativa que é enorme e inclui diversos bairros) é old news. Tipo, very old news indeed. Você anda pelas ruas, espicha o ouvido e percebe que quase não se fala inglês. A presença de nativos é mínima; fora as pessoas que trabalham nas lojas e cafés, praticamente só tem turista. A juventude hipster pode até morar em Camden, mas nem morta seria vista comprando sapatos no mercado. Para eles, o mercado é só para turistas e os roceiros que vêm passear na cidade. Ponto.
Pra quem ainda não sabia, Londres é uma cidade bastante dividida. O oeste e partes do norte são bem vistas. O leste é “cool”, porém “sujo e feio”. O sul é “o fim da picada”; pobre, sujo, feio e alienígena. E ao contrário do que acontece no Brasil, por exemplo, existe uma certa tolerância para comentários derrogatórios sobre as áreas consideradas inferiores. Ao mesmo tempo que o londrino jovem tem pavor de parecer playboy (e para evitar essa impressão vale até mudar o sotaque) ele não tem o menor problema em chochar as partes pobres da cidade. Já vi gente bem educada comentando que “o sul poderia ser separado fisicamente do resto de Londres e implodido”, sob risadas dos presentes. Jura? O sul, que concentra grande quantidade de imigrantes marrons, pretos e pobres que saíram dos buracos do Commonwealth para os buracos da metrópole a fim de varrer o seu chão, limpar a sua privada, servir o seu café? Curiosamente, essas são as mesmas pessoas que seguram plaquinhas de “REFUGIADOS BEM VINDOS” em manifestações. Indignação diante das injustiças faz sentido quando rende selfies em passeata e textão no face - mas tudo bem querer explodir os pobres que não estão na moda. E é claro que essas pessoas e sua humanidade seletiva são adoráveis. O diabo sou eu. :)
O londrino que habita as áreas bacanas, assim como o carioca, não se espalha. É comum jovens profissionais comprometerem mais da metade do salário para habitar vizinhanças nobres, mesmo que isso signifique ter que dividir o quarto com alguém ou morar dentro de um armário. E uma vez instalado ele não vai arredar pé. Já tive “amizades” aqui que deram como desculpa por jamais aceitar o convite para me visitar o fato de que eu moro “muito longe” (ou seja, 40 minutos de trem do west end). Lojas, cafés e shoppings fora das “áreas frequentáveis” permanecem desconhecidos mesmo que a pessoa viva aqui há décadas. Esse apartheid geográfico não entra na cabeça de quem nasceu com o gene explorador. Eu sempre quero conhecer *qualquer* lugar, feio ou bonito, rico ou pobre, cool ou brega, desde que não haja o risco iminente de morte. Tudo isso me soma experiências e vivências que eu jamais teria sentada no meu quadradinho de tijolos no West end com a cara enterrada no Netflix.
“Você só fala essas coisas porque mora no subúrbio enquanto EU moro no centro!”, dirão certas Más Línguas (hi!) Bem, todos nós podemos pegar o metrô para o centro e curtir os mesmos restaurantes e lugares. Mas eu vou demorar mais pra chegar e, contrário de você, eu não posso pegar um táxi pra casa porque custaria uma fortuna. E, por questões de espaço, você não pode ter o meu jardim ou o meu closet. São escolhas. :)
Enfim. Camden market ainda é obrigatório para turistas. Apesar de algumas lojas, que para mim poderiam se aposentar sem prejuízo para o local, ou da vagamente reprovável obsessão em capitalizar em cima da imagem da Amy Winehouse. Perdeu um bocado daquela vibe “Londres alternativa” para o East end, até porque hoje o conceito de “alternativo” das grandes cidades deixou de ser punks de moicano, góticas de cabelo roxo, cogumelos alucinógenos e estúdios de piercing e tatuagem. Hoje o conceito inclui coisas como café artesanal, roupas apropriando cultura indígena, pasta de abacate em pão orgânico, restaurante vegano e food trucks pilotados por ruivos de barba e tatuagem old school vendendo sanduíche de porco desfiado por uma pequena fortuna. Assim sendo, Camden é inapelavelmente demodé. Mas eu acho que nunca levei um turista ali que não tivesse adorado cada segundo, cada esquina, cada casinha colorida, cada escultura gigantesca de sapato ou inseto grudada nas fachadas das lojas, cada bota plataforma na vitrine, cada punk enrugado de jaqueta de tachinha segurando um cartaz de propaganda de restaurante. Até os pombos imundos e engordurados de tanto caçar em latas de lixo e que tentam roubar sua comida são visto com benevolência e algum grau de encanto. Despido da condescendência e do classismo dos locais, o olhar do turista é como o das crianças: sempre o melhor. Pena que o tempo, o cinismo e a familiaridade acabem fazendo com que ele se perca.
Não tire Camden da sua lista de lugares para visitar em Londres porque, sei lá, a TimeOut diz que “não vale a pena”. Os artigos de muitos sites turísticos são escritos por nativos PARA nativos, com olhos de nativos. E você é *turista*, lembra? Nothing but a legal alien. Ok, Camden market é brega e passé. Vá assim mesmo e tire suas próprias conclusões. Até porque, como dizem os hipsters, “quando chega a ser elogiado na TimeOut então já virou passado”.
E nunca compre nada nos camelôs logo ao lado da estação. Ande mais algumas quadras e compre as mesmas “porcarias para turista” por um preço mais em conta. :)
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