Tuesday, August 26, 2003

One.

E então ele olhou a foto por uns poucos segundos antes de atirá-la gaveta adentro e levantar da cadeira.

- Deus não é uma pessoa justa.
- Deus não é uma pessoa – eu disse.
- Bom pra ele.

Calei e voltei à "tentativa" de crochê. Minha visão periférica, no entanto, denunciou que ele havia se voltado em minha direção. Ergui os meus olhos-espiões e lá estavam os dele, azuis como a terra vista do espaço.

E ele enfiou novamente os olhos no mundo que havia do lado de fora da janela. E eles foram crescendo, como se absorvessem a paisagem, os móveis da sala, os carros na rua, os pássaros no céu, as nuvens, o cheiro da chuva da noite passada perfumando o ar, tudo; até a mim. Aliás, a mim principalmente. Porque parecia que ele tinha em si um pouco de cada coisa que existia. As coisas bonitas e as tristes, principalmente as tristes. Mas também todos os caminhos, as perguntas e as respostas. E até mesmo as coisas que eram apenas coisas, mais nada. Ele era uma coletânea do planeta. Se os marcianos (ou venusianos... sim, Vênus é melhor, eu prefiro que sejam venusianos), então, se os venusianos viessem à terra para estudá-la, seria suficiente abduzi-lo. Porque ele era tudo, e tudo era ele. “I'm such a sucker for this guy”, eu pensei pra mim mesma. E ri pra mim mesma. Só que, mesmo quando eu ria em pensamento, ele sabia. Voltou-se para mim, arzinho de ironia: “o que foi?!”.

- Como assim o que foi? Eu estou quieta.

Tentei soar ríspida pra disfarçar o medo. Ele me dava medo com esse jeito de saber as coisas.

- Eu sei, eu estou estranhando a sua quietude...
- Eu falo pouco.

E os olhos dele, que sabiam tudo, me desmentiram.

(p.s.: a palavra venusiano existe mesmo?)

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