Thursday, April 17, 2003

love.does.not.fit

Dormir à tarde é muito, muito bom. Dormir é uma coisa engraçada. Dormir pode servir de fuga. Por isso as pessoas depressivas dormem demais. O sono é uma semi-morte, e a morte é a Fuga das fugas. Para aqueles que não têm coragem, ou vontade, de cortar os pulsos: pílulas de dormir. Mas em quantidades corretas, para que não se cruze a ponte antes do tempo.

Morfeu guarda a entrada da ponte, e nos convida a atravessá-la até a metade. Lá embaixo corre um rio de águas revoltas, mas que estranhamente consegue refletir coisas. E refletidas nessas águas, cenas alegres e tristes das nossas vidas. Talvez a gente não se lembre delas se voltarmos para trás. Não nos lembraremos se continuarmos a cruzar a ponte. Mas ei, Morfeu chama! Não caminhe além da metade da ponte! Mas nós caminhamos. É como se os pés não obedecessem mais. E, olhando para baixo, notamos que as águas vão ficando mais calmas. Só que justo agora, estranhamente, não há mais reflexos. Não há mais cenas, nem tristes, nem alegres. Não há mais sentimentos em nossos corações por elas. Não há mais a voz de Morfeu, nos chamando de volta. De repente não há mais rio. De repente não há mais ponte. De repente não há mais nada.

Morrer deve ser assim, porque é assim que eu quero que seja.

Se as pessoas soubessem o quanto aprecio a sinceridade, não mentiriam para me agradar. Mas elas também deveriam saber que há palavras que não podem ser ditas. Há palavras proibidas. Principalmente para pessoas que se conhecem há pouco tempo. Há palavras que só podem ser trocadas entre almas irmãs. Almas que se escondem debaixo da escada pra trocar segredos que não doem, porque nunca foram segredos (almas irmãs sabem tudo umas das outras sem a necessidade de palavras). E então eu fico triste. Triste porque acho que estou sozinha debaixo da escada. Não que isso seja ruim - não é. Mas eu estava começando a raciocionar burramente e a fantasiar coisinhas, como um futuro colorido feito um pote de jujubas em cima da geladeira. Para uma criança encantada, que no entanto não pode alcançá-lo. Mas a simples visão das balinhas enlouquece os olhos, enche de água a boca e promete um futuro próximo com sabor de açúcar.

Aí chega a mãe da criança, pega o pote de cima da geladeira e a) diz que o pote é de uma vizinha, que pediu para guardar ou b) mostra que não são jujubas, mas sim contas coloridas de plástico.

O que era doce, agora, tem gosto de polipropileno. O que era pra ser macio endureceu, e não tem cheiro de nada.

Eu estou triste. Meu coração está do tamanho de uma ervilha. Mas eu não estou chorando porque eu já sabia. Eu nasci pra ficar sozinha. Sem almas irmãs. Convivendo ocasionalmente com pessoas. Mas de longe. Porque de perto, elas têm espinhos. TODAS elas. Eu me sinto confortável assim, de longe...

Mas às vezes eu queria ter alguém pra brincar.

1 Comments:

  1. Pelos céus, ler isso é um lembrete para mim. Para que eu me lembre de quem eu sou, e de como as coisas ficaram liquidas, mas não necessariamente devem ser assim. No fundo acredito que ainda exista em mim a criança que espera essa alma irmã para conversar embaixo da escada.

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