Thursday, January 28, 2016

Underneath the skin an empty space to fill in.

Sentada num café em Kensington com as duas únicas pessoas que conheço que não usam o celular pra matar o tempo. Olham pela janela, lêem o menu, conversam entre si. Tenho vergonha de pegar o meu na presença desses seres claramente mais evoluídos; me sinto uma adolescente sem traquejo social (bem, só a parte da adolescência não procede) e me pergunto se “me julgar” faz parte das distrações não-eletrônicas. Reponho rapidamente a comida dos gatos no Neko Atsume, enfio o telefone de volta na bolsa e tento retomar o meu lugar na conversa.







O café está lotado. As melhores mesas e as cadeiras mais confortáveis ocupadas por madames e hipsters que pedem um latte, abrem o Macbook Air e passam três horas “trabalhando” no Instagram. Isso num país onde quase todo mundo tem 4G ilimitado e internet super veloz em casa, especialmente numa vizinhança abastada como essa. Deviam tirar o Wi-Fi ou estabelecer limite de tempo pra atravancar as mesas com seus gadgets de luxo; eu só queria 20 minutos de conforto pra fugir do frio e quase tive que voltar pra chuva por falta de lugar. Quer ficar dando like com conforto e sem estourar o plano de dados? Try a place called home.

Acho que eu estava meio amarguinha.



Mais tarde, Highgate. Criatura que não conheço usando Louboutins (a sola vermelha refletindo o chão, de tão nova) e um Rolex Daytona masculino maior que o meu punho nos contando o quanto economiza no natal dando geléia caseira de presente pra família. Se eu fosse parente acho que cuspiria na sua rabanada, moça. Avareza é um defeito por vezes compreensível, mas nunca desejável - menos ainda em gente rica. Se a pessoa não merece presente então não merece nem mesmo a geléia.

No fim do dia, depois de me examinar atentamente por trás da franja longa e perguntar minha idade (eu menti), ela me informa que sou nova demais para ter linhas de expressão e recomenda Botox. Finjo ofensa e respondo que quero continuar sendo capaz de franzir a testa. A ofensa dela é genuína. “Viu? Eu consigo franzir a minha. Toma aqui o cartão do meu médico.”

“Quantos potes de geléia custa o tratamento?” eu pergunto e ela ri, mas sei que não entendeu a piada. Pra ser sincera eu também não. Guardo o cartão com texto em relevo no bolso do casaco e encaro o espelho, alisando as rugas com os dedos. Minha base não combina com o meu tom de pele, e pelo menos por ora isso me incomoda bem mais.





Saída rápida pra tomar uma cidra no Dirty Dicks (risos). Não sei se sujos, mas não eram “dicks”; a homarada (bonita) era na verdade muito bem educada. Fazia tempo que eu não tinha tantas portas abertas e prontidão ao puxar cadeiras. Não precisei ficar meia hora gastando sorriso no balcão até ser servida; o engravatado à minha frente mal acabava de pagar e o bartender já acenava pra mim. Um rapaz perguntou se eu queria ajuda para carregar as garrafas e copos escada acima. Não precisei, mas devia ter aceitado.



Uma moça chorava no celular do lado de fora da estação de Liverpool Street. Chorava e explicava e fumava, as nuvens de nicotina se formando pesadas em volta do seu desespero. Outra retocava o batom enquanto andava, o salto fino tamborilando freneticamente no chão. Tenho inveja de quem é bom de multitasking; eu só sei passar batom estando absolutamente imóvel. E quando preciso chorar, me dedico (mas reconheço que nem sempre dá pra esperar). Salivei diante dos onigiris e sushis e sashimis na vitrine do Wasabi - but resolve is a beautiful thing.

Um rapaz bonito insistiu que uma moeda de uma libra havia caído da minha bolsa. Não caiu da minha bolsa. Mas eu devia ter aceitado.



Trem depois das sete = vazio. Revistinha gratuita do Evening Standard e bombons que ganhei da colega. As luzes da cidade passando rapidamente na janela e o barulho repetitivo dos trilhos têm um efeito calmante sobre mim.

Em casa, preocupação. Minha gata ainda sem equilíbrio no corpinho flácido pós-anestesia e ainda sem comer. E num sms semi desaforado, outra esnobada de que eu não precisava. Mas fiquei orgulhosa de não ter me humilhado buscando retratação; uma das vantagens de ter saído da fase “adolescente buscando aprovação de grupinhos” é não ter mais que engolir certos batráquios. “I’m too old to put up with this/being treated like shit” is a mantra we should all learn to recite, regardless of age.

Acho que no fim das contas vida me deu exatamente o que eu mereço: as partes boas e as más, também. The kicks in the teeth and the kisses on the forehead: I’ve earned them all.

Deletei a mensagem, pus a gata no meu travesseiro e, quentinhas (eu nas meias de esqui do respectivo), dormimos o sono dos justos.



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