Tuesday, June 08, 2004

My senses must compete with a brain that lets me down

A bancada do meu quarto está a cara da copa do Hotel Glória.
Cheia de pratos, copos e talheres espalhados.
A desorganização passou aqui pra dizer olá e acabou ficando.

Acordei hoje às seis da manhã (após uma rápida noite de não-sono) com o barulho de uma garotinha de uns três anos aspirando ranho ressequido nariz adentro. Na verdade ela havia passado a noite in-tei-ra nessa. Respirava com o nariz entupido, e fez pior pela minha tentativa de me concentrar nos domínios de Morfeu do que qualquer adulto com ronco ameaçador poderia. Pra completar o quadro (pintado pelas mãos da Desgraça), de hora em hora ela mijava na cama (aka o tapetinho no chão onde ela dormia com os outros três irmãos e a mãe). E não era pouco. Parecia que haviam aberto as comportas de alguma represa. Cheguei a acordar numa das vezes, com o barulho do mijo. Nunca vi coisa igual - e espero sinceramente nunca mais voltar a ver. Nem a sentir o cheiro porque, é claro, tanta urina demonstra sua presença em termos de perfume, até mesmo para narizes sabidamente incompetentes como o meu.

Antes de explicar o que cacetes fazia eu nesse cenário tragicômico, mais sobre a tal garotinha. Prima minha, de 2394523640º grau, tem esses três irmãos e mais dois que ficaram em casa, todos eles filhos de pais diferentes, todos os pais traficantes, todos já mortos - traficante têm prazo de validade curto, you know. A mãe é uma moça esquelética de uns 27 anos, obviamente aparentando o triplo, e que passou a noite grudada num homão de dois metros de altura e largura, provavelmente criminoso, provavelmente o pai do próximo filho dela, provavelmente mais um defunto do qual ela infelizmente não poderá receber pensão - uma vez que, é sabido, traficantes não pagam contribuição à Previdência.

Fui parar nessa casa ontem às duas da tarde, para o aniversário de 15 (ou 16? Não faço idéia, posso estar errada em ambas as suposições) anos de um primo de segundo grau. Filho de uma das minhas primas, um amor de garoto - e que não merece o nome que lhe deram. O combinado era só comer um churrasco, tomar umas cervejas, esperar minha mãe confeitar o bolo e voltar pra casa. Mas 1) começou a chover 2) havia, de fato, MUITA cerveja (ok, Itaipava, mas quem me conhece sabe que eu bebo até mijo de gato se misturar com álcool) e muita comida e 3) sei lá a terceira razão, mas ela foi mais forte que as outras. Porque assim que cheguei, a prima mais nova me agarrou pelo braço dizendo que eu era a priminha dela e foi me exibindo como um troféu para cada um dos convidados. Confesso que (dois copos grandes de cerveja mais tarde) aquilo começou a ficar divertido. Eu não nego minha quedinha pelo wildside, mas eu devia ter posto em mente que o wildside é que nem chee-tos requeijão: diferente, porém demais enjoa. Acabei ficando pra dormir lá.

A cerveja rolava feito água de bica. Enchiam meu copo, eu dava dois ou três goles, e novo gargalo era virado copo adentro, para repor o que eu havia acabado de beber. E eu, que não havia comido quase nada até então, não demorei pra ficar felizinha. Minha prima trajava um bermudão masculino modelo "gerente-de-boca-de-fumo", um top que mal aguentava o peso dos mega peitos, piercing no umbigo, pés descalços e nas mãos um copo de cerveja + um maço de cigarros pra ornar. E saiu me arrastando por vielas e me apresentando a personagens. Uma senhora de uns 45 anos, por exemplo, demonstrava as posições do ato sexual que desempenhou na varanda de própria casa com um vizinho, enquanto o marido calmamente via televisão na sala. Entre outras historinhas pitorescas que eu não estou a fim de relatar na íntegra.

Finalmente chegou a drag queen (sem montação neste dia) que prontamente enfiou no braço a minha pulseirinha colorida de estimação. Ficava me agarrando e me chamando de gostosa e me jogando pra lá e pra cá enquanto dançávamos o funk do Morro do Sapinho. Achou de criar intimidade e me dar estalinhos na boca, até que eu comecei a afastar com safanões delicados. Peguei outra cerveja e fui ajudar no boteco da minha tia, que praticamente só vende cachaça.

Servi pinga para dois mineiros, e um deles obviamente ficou a fim de mim, me deu até o telefone, anotado no verso de um cartão de visitas que não era dele. Eu teria sido mais simpática se ele não tivesse cometido o erro de elogiar meus dentes. Servi cerveja para dois capixabas e um deles ficou a fim de mim também. Achei melhor fechar o bar antes que tivesse conquistado o coração de um representante de cada um dos XX estados brasileiros (depois que começaram a emancipar cidades, perdi a conta). A drag acabou sendo expulsa da festa, que nem havia começado, por ter supostamente alisado de brincadeira as partes pudendas do aniversariante. Chato é que a pulseira foi junto com ele (minha tia se encarregou de resgatá-la, tomara tenha sorte).

Eu estava com uma camiseta da Hello Kitty por baixo do casaco, e os gatinhos do evento só me chamavam de Hello Kitty. "Ei, Hello Kitty, chega aqui!", "Hello Kitty, meu primo quer te conhecer...", "Ô Hello Kitty, olha pra cá!". Eu devia estar mesmo uma gracinha. Fui tentar dormir depois que enfim resolveram cortar o bolo - solado. Tinha comido e bebido tanto que a barriga, distendida, doía. O colchão era duro, o cheiro não era dos melhores, as criancinhas que estavam no chão não paravam de choramingar. O cachorro trouxe uma camisinha usada da rua e jogou aos meus pés. Não entendi o recado, doguinho fofo, mas ALGUÉM POR FAVOR TIRA ESSA PORCARIA DAQUI.

Ensaiei um sono depois do Supercine mas fui despertada às três por um bate boca no quintal. Alguém havia aumentado muito o som e a mãe do aniversariante resolveu acabar com a festa ali, na marra. "O quintal é meu e a rua é de vocês!" foi A_Frase da noite, de uma crueza e eficiência tamanhas que tenho que me lembrar de utilizá-la futuramente. Dessa hora em diante não dormi mais, porque a guriazinha roncava pelo nariz, minha mãe estava jogada em cima de mim, eu estava enjoada de tanta cerveja, e sei lá. Não sei mais dormir na bagunça -  velhice, lalala.

0 Comments:

Post a Comment