Ainda assim não consegui dormir na viagem de quase hora e meia, em pânico por estar dentro de um carro a 140km/h trafegando por uma autobahn alemã sem limite de velocidade.
Chegamos e o estacionamento ficava ao lado de uma asian market, onde eu fui prontamente fuçar e... achei umeboshis! Almocei no restaurante Corcovado, que mais uma vez provou certa minha teoria de que nunca se deve pedir feijoada num restaurante que não esteja devidamente situado no Brasil (ainda que ele se intitule "brasileiro"). O feijão é quase sempre uma pasta preta amorfa, a farofa insossa, a couve inexistente e as carnes bizarras (na feijoada de hoje, por exemplo, enfiaram pedaços de bife. Sim, bife). Acho que eles se valem do conceito (quase sempre errôneo) de que a maioria dos clientes ali será formada por não brasileiros, que não fazem idéia do que seja uma autêntica feijoada.
De qualquer modo, resolvi não pagar pra ver a caipirinha e pedi uma sobremesa de "banana flambada". O garçom, com cara de brasileiro mas "simpatia" alemã, jogou meio litro de cachaça em cima do prato forrado de lindas fatias de banana ladeadas por sorvete e chantilly e depois tacou fogo em tudo. O sorvete virou uma sopa, o chantilly praticamente evaporou e as bananas murcharam significantemente. Pelo menos a cachaça era Pitu.
Saí dali meio crestfallen e pegamos o carro. Faltava menos de uma hora para o show da Tori, e o estacionamento mais próximo fechava às onze horas. Para não arriscar ficar na pista em Hamburgo depois daquele horário, estacionamos na rua mesmo. A "noite" (passava das sete, mas ainda dia claro) estava linda, sementes felpudas de dandelions voavam pelo ar, pracinhas com estátuas esverdeadas (cobre oxidado), flores e chafarizes gigantescos.
A praça em frente ao teatro onde o show aconteceria já devidamente populada por senhoras beirando a meia idade, vestidas de preto e sacolejando madeixas pintadas de ruivo. "Tori Amos Fangirl League", pensei, ao entregar meu ingresso e adentrar o suntuoso recinto de arquitetura barroca. Os lugares eram numerados e não havia "pista" - como nós brasileiros chamamos aquele espaço logo em frente ao palco, onde as tietes se espremem contra a grade de proteção, gritando feito insanas, tirando fotos sem parar (e estourando flashes na cara do artista) e basicamente having a great time; meu lugar favorito.
Nossas cadeiras ficavam na parte de trás, mas isso não me perturbou já que o lugar era pequeno - tanto que era possível levantar e ir até a frente tirar fotos.
O show de abertura, que pra mim foi surpresa, ficou por conta de um grupo de rapazes bem nutridos com sotaque australiano mas que, viemos depois a saber, vieram de Devon, Inglaterra. Descobri depois que a "banda" era um homem só, cujo nome é Seth Lakeman.
Depois do show de abertura seguiu-se um longo hiato. As portas fechadas e a falta de ar condicionado estavam aos poucos transformando o lugar numa sauna, e um grupinho sentado no meio da fileiras não estavam ajudando em nada, levantando toda hora para comprar sorvete, biscoito, café, suco, água mineral, fazer xix, you name it.
Resolvi ir tirar a água do joelho também antes que o show começasse, e vi que tinha uma fila de dez mulheres em frente à porta do banheiro feminino, e apenas três em frente ao banheiro de deficientes físicos. Tive que aprender a lidar com uma porta que abria e fechava automaticamente (pense no terror) mas consegui me livrar do excesso de líquido e voltar para a minha cadeirinha-numerada-patricinha.
Logo em seguida a Tori entrou e minha primeira impressão ao vê-la foi: "nossa, mas como ela é pequena e magrinha!" (exatamente o oposto de quando vi o Morrissey pela primeira vez ("nossa, mas como ele é grande e gordo!"). Bem, the old girl estava dentro de um cocktail dress vermelho e usava uma peruca chanel quase branca, incorporando a personalidade da Santa, uma das cinco personas que povoam o álbum. Depois de algumas canções retiradas dele, ela sumiu para retornar em seguida já travestida com a peruca longa e ruiva de Tori (outra persona), e com ela mandou ver nos clássicos Crucify, Cornflake Girl, Precious Things, Playboy Mama, Mother, etc.
Me surpreendi com a qualidade da voz ao vivo e na excelência com que pilota aqueles pianos. Até o English Boy ficou boquiaberto. Pena as fotos não terem saído boas - iluminação indireta é uma merda.
Ela não faz dancinhas nem muda de roupa a cada dez minutos. Nada contra shows cheios de efeitos especiais e trocas de guarda roupa, always exciting. Mas é interessante ver que ainda é impossível se impor artisticamente, manter uma carreira, fãs e lugar cativo no show business por causa da música - e não cirurgias plásticas, mudanças de cor de cabelo, escândalos e visitas a clínicas de reabilitação.
Tori é puro talento onde tantas outras são marketing; é delicadeza onde outras são excesso, dedicação onde outras são oportunismo. Good on ya, moça.
0 Comments:
Post a Comment